sexta-feira, 6 de outubro de 2023

 [Serás humano até ao fim]

caminhas tocando as paredes
numa divisão obscura
os caminhos múltiplos, as escolhas pressionadas
por um tempo denominado
este tempo secular que nos inscreve fora do que almejamos
(realmente), que sabemos sem saber
se as palavras pudessem polir uma direção
se estas palavras viessem do infinito
do fundo escondido da consciência
Só para me dizer - porque escolhi voar e onde era o destino
a seta não foi firmada, afinal
era a viagem, sempre a viagem, o fundamental
está tudo bem
- em não aterrar.

#30 antro

domingo, 23 de outubro de 2022

 O sonho é o último reduto 

De todos os loucos 

De todos aqueles que correm em círculos 

Pela simples alegria de correr 


O sonho é essa fé impossível 

Necessária , inextinguível 

Força motriz, centrípeta .

A última luta, só mais desta vez 

E mais uma e outra vez 

Só morremos de não tentarmos 

Esticar os braços uma vez mais 

Essa rememorações platónicas

Mais não são do que a verdade 

A sede por quem és 


 

"Onda estás , onde andas ?" 

O que te faz brilhar ?

(Perguntavas-me )


quinta-feira, 18 de agosto de 2022



22:51


(duas casas)


ecoam contos de Capote nesta casa vazia 

queria dar-te a mão mas somos iguais

(fazemo-nos sós sem querer,

devoramos bibliotecas

e o alimento é outro, 

sabemos)


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( viagens)


ante a abundância que fere 

eu quero abarcar

por amar tanto é que dói 

por não poder ver imagino dentro 

- o mundo inteiro



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                                                    TAPETUM LUCIDUM 


18-08-2022 (Nils Fhram - Old Friends)



(kierkegaard e a perda não notada) 


todo o passado se condiciona, os jardins de deus estão fora. vejo as prisões de que me socorro, mais não são que sonhos que fugiram, que deixei extinguir. porque o medo da morte não superava o da vida. por dentro há mundos inteiros à espera de eclodir, e ela tem saudade das figuras sem futuro, dessas viagens de infância mesmo antes do entardecer. no comboio, no metro, na ponte, ao pôr do sol, as cartas escritas, os poemas, a música.


(The real charlie chaplin)


queria ver uma manhã no mundo inteiro. o destino alvorado, as setas lançadas para um vácuo infinito com as mãos dadas. o coração dentro do peito. 

dizem que mentimos todos os dias. e se me caíssem as pétalas estaria nua? não sei se amo ou tenho medo de paredes silenciosas porque às vezes ouço uma espécie de silêncio entre nós- não nos chegamos? ou quero ver a imagem no espelho, sou o narciso do lago. os reflexos que almejo são o ícone, o ídolo. como Chaplin? colamos na casa a imagem sem saber do humano por detrás. não queremos a lacuna, a dúvida, a mácula, a doença. queremos o circulo perfeito, o vaso sem ranhuras, queremos beber e não mais ter sede, queremos o céu todas as manhãs sem a gravidade.  queremos a cena perfeita. não queremos a verdade (?)


(Epoché)

as nossas referências são passadas e de outro tempo antes do ser (fabricadas pela sede)? sinto que lá atrás é mais alto, mais vívido. Tempo, agora apressas-te para que lugar? sinto escoar, a conta gotas, o meu tempo. há cães revoltado nos sonhos, cefaleias do lado direito e náuseas sem origem.  não leio a mensagem. a loucura psicossomática, o medo? - ver os fios que a ligam à terra - são humanos do seu sangue, irmãos espalhados pelo país e um ser de quatro patas que redime. se fechar os olhos ela vê - quanto ao supermercado e ao abrigo - o custo é tão alto. 

essa liberdade,  saudade - esse fogo aceso numa primitiva noite. sem amanhã, irmãos.


quinta-feira, 9 de junho de 2022

se pudesse dizer o tom do esquecimento 
a perda das palavras - a perda de mim?

Virgina Woolf e a irmã




Tu és cada memória. És o verde carregado das árvores contra o nevoeiro de um inverno tardio. És a paisagem sobre um rio num comboio em movimento, um poema de Borges, uma velha fotografia de duas crianças - ela pensa - a felicidade possível. A felicidade inesperada, improvável. Às vezes não é um labirinto. Às vezes, 'agora' é um quadro, é uma herança, é já uma memória. Instantes. 
 
Não há renegados. Há os olhos abertos como princípio. 




Guest Mix by Mariana Ferreira (Momentum II) 

Lucy Lyon – You Are Every Memory

Nala Sinephro – Space 1

Laraaji – LaraajiCollaji (Carlos Nino EDIT + additions featuring Jamel Dean)

Meitei – Nami

Tim Hecker – Trade Winds White Noise

Terekke – L8r H8r

Mary Lattimore – Jimmy V

Kara Lis Coverdale – Moments In Love

Arp – EOS

Quirke – Acid Beth

Arca – ????? B

Surgeons Girl – Sympathetic Cycle

Momentum II & Sliver – Dreamz Of U

Wilson Tanner – Sun Room
 

sexta-feira, 4 de março de 2022

Transcrição de sonho ( 23 de Dezembro de 2021)

O sonho é o lugar do paradoxo absoluto - do paradoxo senciente, amovível, lugar de distensão do tempo. Ela sabia que sonhava, e, no entanto, que tinha de ir trabalhar. Este imperativo era essencial, mesmo no sonho. Ela sabia que estava dentro de um sonho, mas tinha medo de engravidar, de se atrasar, do seu rosto se lacerar sob o ataque de um lobo gigante. Mesmo no sonho havia dor, daí a compulsão por defender o rosto. A estupefação era a de Cristo: uma inocência espezinhada, uma inocência abandonada pela própria Inocência. "Porque me atacaste? Apenas queria apanhar um objeto que poluiria aquele chão".

Assim é na vida lúcida, real. F. Diz-lhe que não pode esperar que o mundo lhe devolva o reflexo - que lhe dê a mão, a segure, a ajude, seja bom. Às vezes o mundo ataca-a, como o lobo - Injustamente, gratuitamente, sem razão (inteligível). Mais dolorosamente porque no fundo estava a fazer uma qualquer “boa” ação (ou tinha boa intenção). O sonho é o lugar onde o tempo de vigília, seus confrontos, anseios, medos, frustrações, são encenados. Em metáforas várias: o medo eram prisões subterrâneas secretas num aeroporto sem lugar. Cães gigantes de olhos azuis atacando-a. A ansiedade era a perda de noção do tempo, dia, hora, não saber se tinha de ir trabalhar.

No sono profundo há descanso, reparação. Nos sonhos, um prazer (ou sofrer) secreto de observar e sentir além do espaço e do tempo - Imagens de sítios que nunca se visitou; resistências ao movimento; alucinações mais vívidas quanto mais instável o sono, quanto mais doente o corpo. (Serão os sonhos o somatizações psicológicas? )

sábado, 29 de janeiro de 2022

 


Diário, 19 de Janeiro de 2022

[post-lexapro ou do ponto de vista humano]







 

Senti que nada cura como a felicidade.

Senti amor por tudo, por todos.

Chorei, mas as lágrimas não são negras. Ao contrário do riso, que aparenta uma só face, a solar, as lágrimas são tudo - o passado, o presente e o futuro. São as lágrimas o mais antigo hieróglifo humano. Se eu pudesse dizer o que é o humano - é essa súbita, benevolente, irrupção. O vazio que se enche a conta gotas até escoar finalmente. Suponho que não olhemos para dentro vezes suficientes - Ignoramos. Esquecemos. A questão de quem não nasceu equilibrista - a amputação de uma mecanicidade secular salvífica mas fria (poderíamos ser normais e ser?). Choramos. De não saber se já se chegou a casa. O medo de não estar em casa. O medo de crescer, de ir, envelhecer. O medo da corrente inevitável. O medo da decisão fundamental. A divergência de caminhos. A fixação, a transmutação ou a evolução. Tudo o que poderia ter sido. O pássaro, a libertação. Ou o confinamento e a dependência de um amor que solidificou. A infância que ainda treme. Não sabia que me esperava também uma vida humana (?). Não sabia que poderia também ser amada. Sabia que amava, apenas. Mas a casa sempre foi vazia, os verões sem praia, os refúgios páginas e ginásios e piscinas. As palavras - o refúgio sempre foram palavras. E eu espectadora. Quando viver é a coragem de estar imersa, de escolher, dentro de uma miríade de caminhos. Chorei. Agora racionalizo algo - A vida acontecer-me. Podia eu não ser mas estar doente?.

(Truman) Capote cantou sobre a harpa de ervas. A harpa que não posso nunca deixar de ouvir e, na repetição dos dias sempre iguais, um velho poema que escrevi - dar a volta ao mundo e perceber que tenho tudo aqui. Amor. Pensei que a lógica era uma armadura, um subterfúgio do conformismo. Ainda me sussurram sonhos de outros tempos. Mas eu queria parar aqui para te dizer que a herança são as lágrimas que fazes nascer nas profundezas de outrem. E cada abraço sentido. Cada partilha de sentimentos irremediáveis, frágeis. Encontros, toques, choques, beleza. O sagrado é o entrelaçar de dois espíritos. Que a vida é muda para quem vive só. 

- Dançar sobre a tirania, erguer o olhar, lutar com esperança. Esperança com chão, com voz, de carne. Esperança no mundo já que a vida nunca nos enganou de facto. Esquecer-me do meu corpo na plena presença do espírito. Todos os órgãos funcionariam?

Cada vez que me abraças na noite. 

Eu morro em paz.

 

 


segunda-feira, 1 de novembro de 2021

 


Umbilical

esquecemos que as flores eram lesadas

pela sombra do amor

sempre estivemos ligadas

a tua dor é a minha, mãe


/

Descartes

há um abismo que mora dentro

que explode imaturo

tempestades de granizo

sob pétalas inocentes 

como se a dureza fosse vida

como se as coisas mais preciosas não fossem

perigosamente frágeis

nunca me esqueci daquele quarto

daquele edifício

para onde vão os proscritos

no mundo olham para eles

como culpados

como se tudo se tratasse de uma vontade mágica - viver


Lipovetsky e a transcêndencia do niilismo

 

Christine Spengler - Londonderry, Northern Ireland 1987


 Reflexôes sobre a obra Tempos Hipermodernos de Gilles Lipovetsky



   Talvez não sejamos niilistas completos: a mercantilização da vida também reforça os direitos humanos, a democracia. O individualismo ( (se não for demasiado profundo) paradoxalmente dá nos uma noção de valor e empatia para com os sofrimentos do outro. A desilusão das grandes ideologias/utopias desaguou um mundo mais apolítico, onde o neoliberalismo toma rédeas, mas não nos tirou toda a consciência de barbárie que também se mostra de modos não sangrentos mas subtis, na precarização laboral, na desigualdade social, na exploração das massas. A dessacralização do mundo reaviva novas formas recicladas de espiritualidades, sincretismos, identidades. O culto do presente não flutua num imenso efémero hedonista mas está também carregado por ansiedades futuras, bem como por necessidades de novas formas de estabilidade estruturais no indivíduo anómico - hiper individualista, entregue somente a si, hiperinvestindo em si, num consumo que atravessa o material e chega ao consumo emocional.

Já não somos pós modernistas no sentido de revolucionar antigos papéis e sonhar futuros promissores de liberdade e igualdade.
Somos hiper porque as categorias se confundem e vivemos assoberbados pelo presente, por uma cultura de eficácia, velocidade, consumo, lazer, trabalho, individualismo, revoluções tecnológicas e mercados financeiros. Os ideais ficam esbatidos, as lutas adormecidas, o futuro em aberto. No entanto, depuradas pelos massacres da História ficaram réstias de verdade, de fundamentos inerradicáveis, que ainda acordam em todos nós e clamam por realização. Mais que autómatos, temos de analisar o mundo, tão mais imperativamente quanto mais rápido este corre.

Melanie Challenger e uma defesa naturalista

Fonte: Juan Osorno

 

Edição portuguesa: Ser humano, Ser animal

Dissecação do antropocentrismo e do racionalismo que define o Ocidente como uma impressão digital que longe de ser congénita é histórica e socialmente adquirida.
O conceito de dignidade, o especismo, a biotecnologia e os paradoxos concomitantes que enfrentamos no transumanismo tão próximo. A negação de sermos um animal e o separatismo inevitável, o divórcio com a natureza e a vontade de domínio e controlo.
É impossível avançar tecnologica e moralmente sem uma reflexão profunda sobre aquilo que somos e para onde vamos. Despidos de pretensões de superioridade de raça, talvez possamos comungar e acenar com respeito para todos os seres. Talvez fossemos melhores, se nos víssemos como animais. Sem repressão da vergonha de nos vermos nus, da senescência, da morte.
Com a empatia, compaixão, vulnerabilidade, hostilidade, medos e ansiedades.
Challenger escreve com paixão, com maestria, num estilo que ultrapassa a mera objectividade da divulgação científica, conseguindo a tónica sensível capaz de chegar não só à mente como ao coração do espírito. Impactante, surpreendentemente simples o tema mas com repercussões paradigmáticas na discussão ética do presente e do futuro da evolução humana.


domingo, 12 de setembro de 2021

 

C,


Quando aceitamos a solidão de uma não correspondência amorosa libertamo nos finalmente da compulsão por ela. Aceitar a solidão é sorrir sozinha, ter coisas que amamos fazer, algo que depende de nós -uma família, um cão, um gato, um pássaro, uma coisa bonita.

A dor lava nos de tudo o que é fútil e insuficiente, de tudo o que não é autêntico mas aparente. Não podemos negar as lágrimas, elas são sinais antigos. Não podemos negar a necessidade de um aperto, de um beijo, abraço, de uma mão. Porque somos do sangue dos mamíferos, uma palavra que quer dizer "do peito". Somos os rhesus num laboratório que se agarram a uma mãe peluche. Essa metáfora tão viva, da substância de vida que está no amor que se toca. Está nos cheiros, nos olhares, por consequência no cuidar, proteger, partilhar. Amar é a vida entrelaçando se numa outra e ampliando o coração, dando força ao coração num mundo onde tudo perdemos. Amor é puro, isento do frívolo que impera em tudo o que é material, utilitário ou meramente sensual. Estamos vivos. E estarmos vivos significa que batalhamos contra o medo, a falta, a vulnerabilidade, a apatia, o cansaço, contra a desesperança, contra as coisas meio mortas, contra a hipocrisia, contra a perfeição das máquinas lógicas e juízos sociais.  A vida é duas coisas ao mesmo tempo. Porque o espírito é forte e frágil como um pássaro. Ele ora por um mundo a que os adultos chamam de fantasia - a fantasia de um mundo de pessoas boas, de relações baseadas em amizades sinceras, um mundo de coisas inúteis sumamente necessárias - a arte, o amor, a beleza, o sagrado das palavras, o cuidado ante cada gesto e a altura inconcebível de um pedido de perdão.

Podemos estar sós mas mais cheios. A solidão fortalece nos no final, crescemos a partir da amargura. E nunca, nunca estamos tão sós como nos sentimos. Vi o teu rosto  cabisbaixo, os teus olhos semi-aguados, de lacerações humanas. A violência é o amor calcado. Visto pelos olhos de uma criança. Um pai que não foi marido (deixou de ser pai). Um irmão que desertou para dentro da sua própria fúria (deixou de ser irmão). Um companheiro ausente e uma casa vazia. Cada fuga ou solidão nociva é mácula que se transmite e herda  -  mas escolho ver o amor nos olhos de criaturas de quatro patas em corridas efusivas.  Ou em amizades antigas e famílias unidas.  Mereces tudo isso, porque és amor aos meus olhos. Porque choras, porque queres amor. Não és um centro escuro na corrida da vida. 


  [Serás humano até ao fim] caminhas tocando as paredes numa divisão obscura os caminhos múltiplos, as escolhas pressionadas por um tempo de...