quarta-feira, 30 de julho de 2014

Às vezes


Às vezes lembro-me de tudo, com uma precisão assombrosa
e sinto falta de quem fui, e sinto falta de quem fomos
e choro, o que sou
Às vezes sou destabilizada por sonhos inusitados, acordo
e adormeço de novo para tentar voltar
e o sol brilha mais ali.
Às vezes quero libertar-me de pesos estranhos no coração
e esmago o orgulho
e sinto-me mais leve

Às vezes penso que amo a vida mas precisava de mais.
Às vezes penso que se não escrevesse morreria.
Às vezes penso que a música é divina.
Às vezes penso em tudo o que deixei por fazer ou dizer.
Às vezes penso que queria voltar a ser criança.
Às vezes penso que estou tão feliz que morreria em paz.
Às vezes penso que tudo acontece por uma razão.
Às vezes penso que não há sentido, lógica ou destino.

Às vezes penso tanto que dói ser eu...

MF


E fui tão leve




Um dia deram-me a conhecer um resquício do céu. 
E fomos deuses cá na terra, porque tínhamos tudo sem nada ter. 
Nada além de algo que não se vê, não se toca, não se cheira, só se sente.
E isso era tudo e sempre será.
Um resquício do céu e fui tão leve, senti que estava a sentir tudo 
o que havia a ser sentido.
Como que alcançado um patamar máximo de plenitude.
Voltei à terra, de novo pesada, mais pesada que o céu que um dia toquei.



Cega fé





29 de Julho de 2014
~00:03

Acredito nas pessoas como acreditam em deus: cheia de fé, negando factos que contrariam a crença pela ânsia de ver um mundo com sentido. Nunca aprendo: enlevam este coração, somente para o largarem das grandes alturas. Não sei porque o fazem, não sei porque o fizeste, depois de todo este tempo. Não sou pesada, sou leve sendo amada. Porque me deixam entregue a mim depois de, por livre vontade, tomarem-me a alma?

Olho o céu, olho as estrelas tão distantes e sozinhas umas das outras. De repente sinto um vazio enorme, sinto no ar nostalgia, vagueio no meio de promessas e visões que nunca foram mais que quimeras. 
Quero tanto estar viva além de mim, quero tanto ter memórias que não tenho, quero tanto sentir aquilo que quero sentir. Quero tanto.

Nunca aprendo. Talvez não queira aprender que as pessoas são podres máscaras inconstantes. Sou ainda uma criança, uma criança velha que se maravilha com as coisas simples, tão sensível e tão fria, tão arrebatada e tão desiludida. Uma criança cheia de lacunas que tenta preencher, à espera de súbitas revelações, pintando o mundo de cores que não existem, cegamente acreditando que o núcleo de tudo é bom.

Acredito nas pessoas, acredito ingenuamente nas suas palavras. 
E abandonas-me, mais uma vez.,.



segunda-feira, 28 de julho de 2014

Mar



27 de Julho de 2014

   Ao pé do mar fecho os olhos, sinto na pele o beijo de cada onda salina. Fecho os olhos e por momentos penso em nada. Literalmente nada. A minha mente esvazia-se por completo, sinto cada célula minha, cada pulsar sanguíneo. Estou feliz - a felicidade de uma paz ancestral, fundamental...
   O mar estende-se por milhares de quilómetros e fito o horizonte, encadeada pelo sol do fim da tarde. Queria ir mais além, mas não me atrevo. Sou pequena demais. Sinto que cada dor, cada pensamento encalhado, é lavado, purificado nestas águas: cada onda limpa mais a minha alma. Respiro profundamente o ar. Cheira a sal. Sorrio ao ver crianças a brincar e a rir. Riam, o mais que puderem, penso eu. Olho para todas as pessoas à minha volta e sou assaltada por um pensamento inusitado: cada uma delas irá desaparecer, estas crianças irão assumir o seu lugar. Há uma certa beleza, uma certa poesia, na ordem natural das coisas. Alguns almejam a eternidade, eu almejo a completude, a fusão com a natureza ( não será este o modo de sermos eternos mil vezes na vida?) de modo que a morte seja apenas dar lugar a outrem, para experienciar com novos olhos tudo aquilo que nos rodeia. Um novo alguém, um dia, vai estar exatamente neste local, a esta hora, sob este céu, sob esta luz - maravilhado com a transcendência que o mar nos empresta ao tocar-nos, absorto com a sabedoria expressa no seu murmulhar cíclico. Vai pensar exatamente o mesmo que eu -  a felicidade é simples, tudo está em mim neste momento.

Vou para casa mais leve, mais clara, etérea.
Com uma serenidade humana.

MF

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Hic et nunc




Estamos estupidamente vivos
aqui e agora,
após tribulações colossalmente vazias
que se abateram sobre mim,
um espírito que inventou um mundo
cá dentro por não saber caminhar
neste solo.
Estamos poeticamente vivos
aqui e agora,
após eras de choros e risos, encontros
desencontros, derrotas e vitórias
este lugar é o paraíso e o inferno
faz-me imaginar, faz-me escrever
podia nunca ter cá chegado, mas 
agora que estou cá só quero que valha
cada lágrima, cada queda,
cada mágoa.
Estamos cruamente vivos
aqui e agora,
após cada dor que dizíamos não poder
ser convalescida
porque só aqui e só agora o sangue flui


Acorda. Estamos vivos. Esquece tudo
aqui e agora.

MF



quarta-feira, 23 de julho de 2014

Ambivalência



Vou escrever. Sem floreados, sem poesia
sem ordem, sem rimas, sem fingimentos.
Vou escrever assim - cruamente, caoticamente,
sem falsos sentidos, metáforas, significados 
escondidos:
É triste - sermos estranhos, não ter dito
adeus, não termos acabado com um abraço
pacífico,  não ter encontrado respostas,
ter fugido para não nos cruzarmos,
fingir ter esquecido tudo aquilo
que não dá para ser esquecido,
que me assalta no intervalo dos segundos
que me expande o vazio deixado
pela ausência de ti.
Levaram partes de mim para longe,
a custo tento preencher-me, aliviar
cargas, viver no presente.
Lembrar é queimar-me, esquecer
é entorpecer-me deixando-me vazia
vivo em permanente ambivalência
parada, 
no início da vida.

MF

terça-feira, 22 de julho de 2014

Eterna na finitude


Imploro em silêncio, para que fique
o mais mísero rasto de que aqui estive
que signifique tudo para alguém
que seja mais que o rascunho de uma vida
que seja tudo, sendo nada


MF

Sem trono, sem destino, sem lugar




Eu sei que somos breves, que somos
rios que inventam caminhos
afogados nas próprias águas, à deriva
de si
sonhando o sonho da completude
solitários rios...

Eu sei que somos frágeis, que somos
árvores sem raízes
impassivelmente de pé, aquando
tempestades ventosas
sonhando sentir o céu acima
frágeis ramos...

Eu sei que somos orgulhosos, que somos
falsos reis e rainhas
asfixiados por cada gesto renegado
cultivando disciplina e indiferença
sonhando decifrar silêncios e ler mentes
envenenados corações...

Afogada, asfixiada por tudo o que calei
árvore velha, discorro a vida sem a ver
o vento traz memórias que fazem tremer
tentando preservar destroços dignos de mim,
calo cada palavra que se me perpassa,
retraio o coração e o olhar
rainha sem trono
rio sem destino
árvore sem lugar.

MF

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Palavras



Que sou eu mais que as vãs palavras que escrevo? Quando partir, será o que restará de mim. Navego por entre versos do passado e encontro os mesmos sentimentos de agora. Apesar da experiência e maturidade que adquiri, por dentro, estou perto de ser o mesmo. Assusta-me aperceber-me disso: toda a esperança que depositei no futuro revelou-se infundada. Contudo, ainda vivo das mesmas esperanças descabidas que me mantiveram inteiro na infância.
Sou o fruto de uma planta quebrada.
Sou a sombra de uma vida.

-PN

sábado, 19 de julho de 2014

Noite



É noite, imploro para dormir
as horas passam, a mente corre
inspiro, expiro, tentando em vão,
adormecer
sinto envelhecer mil anos na quietude
colossal o cansaço nestes olhos
É noite, imploro o olvido
pudesse eu esquecer-me de mim
para viver
mas sou cega para o mundo
para o sol, para o vento neste rosto
enclausurada em algo incorpóreo
morro em algum lugar cá dentro
É noite, imploro para ser dia
e acordar sem pesos no coração
É noite, imploro ao tempo dó
embatem-se exércitos, calo o grito
"Deixem-me só, para me restaurar"
mas no silêncio da noite vagueio,
sussurro, " não me deixem só"
porque só, tenho medo e escrevo
escrevo, sem fé de coisa alguma
como dizem que sou fria?

Dói tanto não saber viver,
fora de mim.

MF


sexta-feira, 18 de julho de 2014

Reflexos


De repente, o céu escureceu e vi os meus medos mais irreais. Agora, vivo em perpétua dúvida: quem sou eu? Mudou a minha essência quando a noite chegou... As minhas palavras tornaram-se mais secas, os meus sorrisos mais falsos, as minhas lágrimas mais constantes. Vivo num pesadelo de onde não consigo escapar e, cada vez mais, vejo-me enclausurado na minha própria mente, onde sou um estranho.
Partir hoje seria ideal. Tornar-me um fantasma, memórias para outros relembrarem em momentos melancólicos. Afinal, já não tenho desejos, não tenho sonhos; sou as cinzas de uma fogueira. O fogo morreu, a chuva apagou as brasas, o vento levou tudo para longe. Estou sozinho, quebrado, longe de casa. A apatia enche-me a alma e despeço-me do mundo sem partir dele, porque sei que nunca voltarei a  vê-lo do mesmo modo.

-PN

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Em tudo o que já passou...



Sou alguém que diz querer estar só
mas que escreve sobre o amor

Sou alguém que não acredita em nada
mas procura achar sentido aqui

Sou alguém para quem o tempo é ouro
mas deixa-se passar por ele

Sou alguém que quer ser e nunca foi
que sonha tão alto mas sempre fica

presa neste chão...


Sombra de algo que ficou aquém
de si e daquilo que colocou perto

Sombra de algo que quer sentir raiva
só para saber que está viva

agora e no final,

Sou alguém que quer tudo ou nada
ser tudo o que pode ou não ser
que vive distante da vida ou perto dela

Sou alguém que se perdeu dentro de si
e vagueia inerte, relembrando cada
paisagem, cada rosto, cada estrada
cada olhar, cada beijo, cada silêncio

com medo de se esquecer...

Porque afinal, eu sou alguém que vive
em tudo o que já passou...

MF

terça-feira, 15 de julho de 2014

Reflexo Imperfeito


Perdeste-te nos prados verdes?

Ainda sinto o teu sorriso puro,
Por entre as montanhas que nos separam.

Ainda sinto o teu olhar poético,
Por onde tudo era belo.

Onde estás?

Busco em memórias utópicas
O lugar onde te perdi.

Percorro cada dia, cada noite.
Revejo cada sorriso, cada lágrima.

Onde foste, sonho meu?

Deixaste um pedaço de ti
Que se auto-destrói, a cada segundo.

Volta para mim, faz-me inteiro.
Reconstrói-me, peça a peça.

De ti, sou apenas um reflexo imperfeito.

-PN

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Mas estás cá



O tempo passou mas estás cá,
não te levou

inerte,
chamo-te, do nada que resta
de quem fui
é noite e os meus lábios
recordam os teus

o tempo passou mas estás cá,
não te levou

leve obsessão silenciada
dor calada, vida apartada
de mim

estou assim. 
os meus olhos
perdidos além do momento.

fria,
abraçaram-me e nada sinto
não és tu
é dia, mas não senti mais
que vazio

O tempo passou mas estás cá,
não te levou


sábado, 5 de julho de 2014

We'll float in space, just you and I


♫ So please put your sweet hand in mine
   And float in space and drift in time
   All the time until I die
   We'll float in space, just you and I 


Não estou aí mas queria estar
olharmos o céu e ouvirmos juntos,
aquela música que te disse para 
ouvires, pois estaria sem estar, aí
cantamos um para o outro e a vida
enche-se de vida
podia estar contigo só no silêncio,
disseste-me, e o silêncio seria sublime
pois entendemo-nos para além de palavras
tão longe mas tão perto, 
encarnamos harmonia
Pensamos no destino, estamos cá
tudo fez sentido, sou mais do que
podia ser sozinha, somos únicos
estamos cá, tudo fez sentido
para chegarmos a este momento
conhecer-te, conhecermo-nos
este coração campo de batalha
encontrou conforto em ti
Somos uma canção, as nossas
almas vibram no mesmo tom
és a alma incógnita que um dia escrevi
Histórias findaram, para a poesia 
que somos se erguer aqui
Estamos cá e tudo fez sentido, afinal.


"Não me deixes ver para além de ti, não faz sentido."


MF

terça-feira, 1 de julho de 2014

Lágrimas



Ás vezes, não sei quem sou. Salto fronteiras, deambulo por florestas assombradas, observo o céu nocturno em busca de uma luz... mas sem nunca encontrar o núcleo do meu ser. Sem nunca encontrar quem verdadeiramente sou, por detrás de todas as dores em que me escondo.

Ao longo dos anos mudaram as estações, mudaram as paisagens, mudaram as pessoas mas, em mim, apenas a aparência se alterou. Continuo a alimentar-me da solidão para sobreviver, continuo a escrever palavras ocas em busca de um sentido, continuo a ver o tempo passar enquanto espero que a minha vida comece. O desespero ainda me consome, os medos ainda me paralisam. Sou tão vazio por dentro como era. A vida passou e eu fiquei para trás. Agora vagueio pelos lugares que amei, que me recordam do que era sentir inexplicavelmente, e espero, desesperadamente, que a minha hora chegue, segundo a segundo.

PN



Nascer de novo




Solitário, segues o caminho que te leva a ti próprio! E nessse caminho encontrar-te-ás a ti e aos teus sete demónios. Sentir-te-ás herege, feiticeiro, adivinho, louco, descrente, ímpio e malfeitor aos teus próprios olhos.
Ser-te-á necessário consumir-te na tua própria chama; como poderias nascer de novo de não te consumisses primeiro?
Solitário, segues o caminho dos criadores; dos teus sete demónios procuras fazer nascer um deus!
Solitário, segues o caminho do apaixonado; é a ti que tu amas e é por isso que te desprezas como só os apaixonados sabem desprezar.

Assim Falava Zaratustra - Nietzsche


"Mas tu, coração profundo, sofres profundamente mesmo com feridas leves."

Nietzsche - Assim falava Zaratustra

Humanos


Eu desejava dizer muitas coisas à rapariga que roubava livros,acerca da beleza e brutalidade. Mas o que podia eu dizer-lhe acerca dessas coisas que ela não soubesse já? Queria explicar-lhe que estou constantemente a sobrestimar e a subestimar a raça humana - que raramente me limito apenas a estimá-la. Queria perguntar-lhe como podia a mesma coisa ser tão horrível e tão gloriosa, e as suas palavras e histórias tão nefandas e brilhantes. Nada disto, contudo, saiu da minha boca. Só fui capaz de me virar para Liesel Meminger e contar-lhe a única verdade que verdadeiramente sei. Disse-o à rapariga que roubava livros e digo-o agora a vós:
"A visão dos humanos persegue-me" 

 Markus Zusak - A rapariga que roubava livros

  [Serás humano até ao fim] caminhas tocando as paredes numa divisão obscura os caminhos múltiplos, as escolhas pressionadas por um tempo de...