Choro ao ler Al berto porque as suas palavras são as minhas num mundo em que eu fosse dona da maior das eloquências:
"não sei para onde foste morrer
eu continuo aqui… escrevo
alheio ao ódio e às variações do gosto e da simpatia
continuo a construir o relâmpago das palavras
que te farão regressar… ao anoitecer
há uma sensação de aves do outro lado das portas
os corpos caídos
a vida toda destinada à demolição
tento perder a memória
única tarefa que tem a ver com a eternidade
de resto… creio que nunca ali estivemos
e nada disto provavelmente se passou aqui"
Al Berto.
“O Esquecimento em Yucatán” (1982/83). O medo
Ao ler isto inspirei-me e escrevi -
Choro, tremo, perco a voz, perco a razão, caio num lugar sem nome,
ermo interno com a violência dos mares sem a glória destes.
caio no lugar em que acontecemos e morremos
engolidos pelo vácuo que substituiu o mundo
caio nas memórias das palavras desentendidas e do azul mais que azul
anjo demónio dos meus cansaços,
que enalteço e renego
face desenhada nas noites de insónia
cansas-me a alma, paras-me as possibilidades de vida
baralhas-me a razão que se lançou na compreensão do teu mistério
Temo estar ainda apaixonada, como poderia eu não estar se te escrevo,
e se escrevi para ti mais que palavras.
sonhei, escrevi essências,
forjei provas da tua existência semi-lúcida
dissolvida em segundos fátuos, pequena grande tragédia,
ainda me lembro, ainda nos sofro -
houve uma quebra,
decerto vivemos em dimensões diversas no segundo de nós
intersectadas em cataclismos pontuais
e nunca nos conhecemos,
quase deixei cair a chamada, foi trabalho de heróis segurar a voz
serena, sem rasto de dor
estava longe, já estavas longe
e a distância não poderia ser de novo restabelecida aos milímetros
ansiosos entre os nossos rostos
despedi-me, com as dores guardadas e choradas num corredor
era jovem e pensava que para ti era amor
MF