sábado, 8 de outubro de 2016






Chihei Hatakeyama Hakobune - Vibrant Color

Diz-me onde estás e se possível, ( não está em teu poder dizer) 
 - Se é realmente a ti que eu chamo
Estes dias tenho esculpido uma espécie de templo feito de silêncio e céu
Limpei o meu corpo e varri da minha mente a excessiva turbulência que me exilava daqui
Eu pergunto-me se volto de novo a ti porque não tenho deus
E o meu sangue é frágil
Ou está frágil
Eu pergunto-me porque se me assaltam visões proíbidas e se são sinais que podíamos afinal viver
Sem nos matármos

Estes dias pousaram no coração minhas próprias mãos
Pulsava através da pele como uma pássaro aterrado
E então eu vi que era puro
Porque na minha cabeça nasceu
Essa imagem de pássaro

Chorava de não saber o que tinha perdido
E se eras tu quem eu chamava
E o horror que seria se viesses e o vazio não abdicasse do seu trono em mim
E estar vazia contigo seria tão mais vazio que estar só vazia

Hoje o meu sangue é um mar com a memória dormente
Um mar antigo que me ocupa e é ocupado por mim
Eu flutuo nele como no ventre da minha mãe 
Há vinte anos
Não ouvia gritos então. Submersa.
(Não sei quando e onde acordou a vida)

Estou calma como o começo do dia
Manhã límpida, incorruptível
Gelada com o calor simultâneo da Beleza

Gerada de um parto que me deixou prostrada
Muitos dias e muitas noites
Intercaladas com invocações várias
E respirações aliviadas que nunca foram finais
Porque as luas se quebravam então
(Não sei porque engrenagens do coração)

E então fugi e inventei paraísos.

Não me perguntem se quero viver - são tão tácitos os sonhos, as visões, as suspensões que me roubaram cada pergunta sem resposta.

*
(Semi-automática)

Eu afluí no medo e bebi da sombra e da luz. Eu teci contornos indeléveis de promessas dadas ao furor. Eu cantei no magma e nos limites do erro. Eu escalei as estradas que jurei não poder escalar. E no final vi-me eu. No final, vi-me eu. Sem princípio nem final. Aqui. E hoje era uma abertura magna de um universo nascido hoje. Hoje era a oportunidade de nadar entre cada fiapo de luz e amar. Tocar. Adormecer. Escrutinar os sonhos de outra dimensão. Eles falavam em símbolos as respostas que procurava acordada. Eles falavam-me que eu chorava por fazer doer outro corpo que fez doer outro. Eles falavam-me que eu não podia suportar a morte de absolutamente nada às minhas próprias mãos. Por mais impuro que fosse. Por mais humano que fosse, eis a claridade a chegar - Por mais humano que fosse. O cristal, as flores lançadas sobre as lágrimas humanas, fecundam os jardins de deus. Por mais humano que sejas, eu perdoo-te, eu perdoo-me então.

Eu perco-te. E perdes-me o rasto cada vez mais intermitente. Os dias são estranhos.
Sabes–me ainda tocar-me? 
Não me digas o que eu não sei. 
Deixa saber-me. Na luta solitária de uma cavidade densa, eu sei que verei. 

*

Chorarei mais vezes abalada com o meu próprio choro porque eu não chorava, eu não era humana. Ver-me humana. Ver-me humana. “ A coisa mais frágil que conheço”. Não pude sequer despedir-me da máscara. Mas quereria se pudesse? Quando foi tão solidamente máscara. E a pele queimou debaixo dela. E o primeiro suspiro liberto foi um choro. E o corpo não sabia o que fazer dos tremores. O olhar não sabia como se esconder. Era uma vergonha chorar e mais ainda achar que era uma vergonha achar vergonha chorar. Duas vergonhas lado a lado e então escolheu a primeira. E lembrou-se que a vergonha era somente o nome dado pela máscara àquilo que a podia destronar.


*

Suponho que a luz não se tenha dado a mim
Porque eu não podia abandonar de todo a sombra
E na luz não cabe a sombra
Ou não seria luz

Mas na sombra cabe luz,
Em recessos invisíveis
Eu sei que está lá
 Porque volto sem cegar à tona

*

(Defeito essencial)

Dei a minha luz à sombra
e minha sombra à luz
Porque acho que a sombra é também humana.


MF

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