Desvaneço na minha vastidão árida.
Trepaço-me, completamente,
(Qual lâmina afiada)
Com uma palavra vã.
Sinto, devagar, suavemente,
Cada nervo do meu cérebro,
Cada célula do meu corpo,
Cada átomo da minha essência,
Silenciando o seu canto.
Ouço, nos seus cantos mórbidos,
A crença de um mundo melhor,
De algo real.
Mas eu sou as florestas queimadas.
Sou os rios secos.
Sou o paraíso dos mortos.
E na inconsistência da minha alma,
Tudo o que é real
Queima com as florestas,
Seca com os rios,
Sufoca com o mundo.
Sou o produto dos sonhos desfeitos de mil homens.
O vento que me esvoaça o cabelo,
Que me alimenta a fogueira,
Que me embala no sono,
É o mesmo que me abre as cicatrizes.
O vento que me esvoaça o cabelo,
Que me sustenta no ar,
Que me acalma a fúria,
É o mesmo que me condena a cada passo.
Sou guerra e paz, em tudo.
Por isso, meu amor,
Salvaguarda-me a alma.
Não vá eu quebra-la,
Só para não sentir.
Não vá eu pisa-la,
Só para esquecer que existo
Dentro desta máquina oleada de existir.
PN
quarta-feira, 23 de março de 2016
terça-feira, 22 de março de 2016
quinta-feira, 10 de março de 2016
Diz-me. Relembra-me ( porque hoje me esqueci)
- Porque importa estar aqui?
A criança
Como poderia
eu alguma vez ter sido
Criança
A criança
entrava no teu quarto e dizia
“- Amo-te” para te acordar
E tu
levantavas o rosto cansado e sorrias
E davas-lhe
um beijo
E a
criança não se recorda se nesse instante te levantavas por inteiro
Imploro.
Não ao teu deus, não
Imploro ao
vácuo, ao silêncio, à possibilidade
De novo
ao silêncio para que me fale
Sangre e
deixe de ser mudo,
Sussurre por
dentro em resposta
- Porque importa estar aqui?
Diz-me. Relembra-me (porque hoje me esqueci)
Diz-me. Relembra-me (porque hoje me esqueci)
A
criança, ainda me lembro da criança
Vocês feriam-se
com palavras altas, as quais não lembro
E ela
dizia baixinho, “ - Não falem alto, que os vizinhos chamam a polícia”
E eras
quem eu mais amava, as histórias antes de dormir
E agarrar-me
ao teu peito como os chimpanzés
E
abraçar-te e chorar com medo de morrer, de morreres
(Foi
atroz saber que o mundo girava impassível mesmo sem nós)
E na
praia, rias, como raramente te via, e abrias os braços
Como os espíritos
livres, e sabia que estavas viva
Viva como
não estavas nos dias.
E um dia
disse a mim mesma que nunca mais me farias chorar
Porque doía
de mais não te conseguir acordar
Quando te
fechavas no quarto ainda o sol suspenso sob o dia
Mas a
nossa casa sempre foi escura, com pouca luz
O
corredor até ao teu quarto,
O mais
escuro da casa, e eu percorria-o
e não me
lembro de haver mais alguém
Sim, há
só nós, isto é entre nós, pergunto-me se alguma vez eles souberam
e foi sempre a criança da casa, confusa, que chegava até a ti
e tu
sorrias e dizias que também a amavas e acho que perguntavas
como te
podia amar, se te deitavas e ainda era dia
Sim, esta
é uma imagem que tenho, que repercute ainda em mim
Não há
nada a perdoar
Eu sei,
que é difícil viver
E ainda
tens toda a nostalgia do teu próprio sol
Que só tu
vês,
E vejo-te
o brilho nos olhos quando falas da cassete que recebeste
E da
praia, e de como a vossa história dava um filme
E revejo-me em ti quando me dizes que é tão imenso
O poder
de uma canção, que todas as fibras vibram de saudade
E que
preferias nunca ter vivido nada daquilo
Porque
dói tanto viver depois, o peso dos quadros perfeitos
O peso de
um coração um dia tão cheio
E agora
não há sangue, e fazes e desfazes malhas e passas toalhas lisas
E aspiras
o mesmo chão cem vezes
Para não
chorares por dentro.
E junto-me
a ti derrotada e pergunto-me
- Porque importa estar aqui?
Mas não
te digo nada disso, digo
Que
aqueles dias foram tão poucos porque foram sempre eternos,
(desde o
primeiro segundo.)
Não há
nada a perdoar, parece que ainda ouço,
O perdão
gritante nos teus olhos, naquele quarto,
Para aquela
criança, que não sabia porque estavas ali
E naquele
mesmo quarto te fechaste
E juro
por deus que não te perdoo (daquela vez)
Se foi
mesmo a tua intenção
A criança
há muito que cresceu, e não cumpriu a si mesma
A promessa
de não chorar mais por ti
E na sala
chorou, as mãos na cabeça, tu no quarto trancada
E preparei-te
comida, e bati à tua porta, e não te reconhecia
Não mais,
aquela não era a minha mãe, não eras tu
E obriguei-te
a vestir, e liguei ao pai, e ele levou-te
E não sei
porque ainda recordo isto
Tiveste
saudades nossas lá, e querias voltar para casa
E eu
disse que tinha saudades da tua comida
E nunca
mais esqueceste
E não me
lembro de nada, não me lembro de quase nada
Quando lá
cheguei
Apagou-se
da minha memória
Apagou-se
da minha memória
Quanto
mais esqueci? Arrepia-me, o esquecimento
E a nostalgia,
e o envelhecimento, herdei isso de ti
Eu sei,
não sei se te perdoo isso, mas perdoo
O teu cansaço, o meu,
Porque eu
sei o que um dia escrevi
O meu
conto do pardal,
Encontrei-o lá, encontrei-te lá, encontrei-me lá,
Aqui mesmo:
Adormeceu, debaixo de uma árvore, quis adormecer como os pardais. Pegaram nela uma, duas vezes. Recusou-se a comer. Recusou-se a acordar, e dessa vez percebeu que era maior a dor de morrer nas mãos do amor, do que a dor de ver morrer o amor nas suas próprias mãos. E em silêncio, perdoou o pardal...
MF
quarta-feira, 9 de março de 2016
[Alguém.
(Pressente-nos.)]
Não
sabes.
que por
detrás de mim e da pedra
possuo a
sensibilidade e empresa das aves
e
experimento o beijo do ar parada e em voo
e sinto
toda a pulsação rítmica do Universo
numa
efervescência contida
tacteio
levemente por dentre a Beleza, o subtil, a calma
e
adormeço e sorrio às vezes nas planícies de Deus,
Sozinha.
quero que
adormeçam lá comigo um dia e para sempre
quem
chore porque foi tão belo
quem
chore porque foi tão sem tempo
quem bana
as palavras do espaço entre um nós
e no silêncio ame antes mesmo de nos tocármos.
MF
Beberam do sol
E tomaram raízes profundas às portas
da descrença
Bebemos do sol
E ficámos lá para sempre
Sim, estas visões,
Beberam do sol
E infiltraram na terra acre raízes
Inseguras, raízes, da matéria e
persistência do sonho
Dissolvem-se e arrepiam-me de novo
Quando o sol daqui me lembra do outro
(Oh... propagar-se a luz desde ontem até
aqui)
É um ínfimo salto tenebroso, a lucidez
agora
É a falsa transparência de um véu que me separa
De um simultâneo irrevogável abismo
Tempo? Não é o Tempo
É o próprio sangue
Que se passou com o sangue?
(que se passou ali, que não se passa agora aqui?)
As farpas, as farpas no cérebro
(que se passou ali, que não se passa agora aqui?)
As farpas, as farpas no cérebro
O barrar do desimpedido caminho até ao coração,
As visões que não foram mais que visões
Sangue, abismo, sangue
(As visões de sol, assombram-me.)
E eu nasci para poder morrer, eu sei
“A brisa, é desta vez que vivemos”
(Para podermos morrer?)
É tão quase que vivemos, sempre tão quase
(podíamos realmente viver?)
Como se puderam esquecer da permanência
Dentro da impermanência?
Todo o sentido tangente
A um momento
Lembraste? De como não sabia ser criança
Nem humana, nem mulher
Apenas dentro, era tudo isso condensado
noutra coisa
Que me fazia chorar
Até que fui criança e humana e mulher à
luz do mundo,
dos bastidores velados e acesos do
mundo
É solidão.
Porque ninguém mais viu além de nós
Exteriorização do vasto, nunca nos vemos
mas sabemos
quando fomos
É solidão.
Porque ninguém mais viu além de nós
A suspensão
A suspensão
Estávamos tanto, cruamente, aqui
Lembraste? A cidade descoberta, a cidade
cheia de rostos
Amigos e amantes, e cruzes, e tochas
E risos, e luzes, e som, e caos, e ébria
vida
Fiz algo belo depois para te mostrar
aquilo que senti
( e nunca sabem o que se fez na solidão)
Como podem vocês submergir o autêntico,
finito, louco erro
Paixão, amor, às vezes nada mas
supersónica pulsação
(e não faz mal, não faz mal…)
A minha memória tem o tacto hipersensível
da voragem
E a dimensão circular de um mar
E chamo-vos a todos, porque estão todos
ali,
Naquele lugar,
Circunscrito
Humano
Sinestésico
Sem idade,
Sem idade,
Foi. Para sempre.
(Hoje tateio sede, tateio saudade, tateio
a vida que fugiu e ainda me tem
Adormecida.)
MF
A ouvir, Ex confusion - Be still
https://www.youtube.com/watch?v=8ZZa10s5SSw
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